POR UM NOVO PENTECOSTES TEOLÓGICO

 

Aos teólogos cabe a tarefa de favorecer sempre novamente o encontro das culturas com as fontes da revelação e da tradição. As antigas arquiteturas do pensamento, as grandes sínteses teológicas do passado são minas de sabedoria teológica, mas não se podem aplicar mecanicamente às questões atuais. Trata-se de fazer delas tesouro para procurar novas vias. Graças a Deus, as fontes primeiras de teologia, isto é, a Palavra de Deus e o Espírito Santo, são inesgotáveis e sempre fecundas; por isso pode e deve-se trabalhar rumo a um “Pentecostes teológico”, que permita às mulheres e aos homens do nosso tempo escutar "na sua língua" uma reflexão cristã que responda à sua busca de sentido e de vida plena. Para que isto aconteça, são indispensáveis alguns pressupostos.

Antes de tudo, é preciso partir do Evangelho da misericórdia, ou seja, do anúncio feito pelo próprio Jesus e pelos contextos originais da evangelização. A teologia nasce no meio de seres humanos concretos, que se encontraram com o olhar e o coração de Deus, que vai à procura deles com amor misericordioso. Também fazer teologia é um ato de misericórdia. Gostaria de repetir aqui o que escrevi à Faculdade de Teologia da Universidade Católica da Argentina: "Também os bons teólogos, como os bons pastores, têm o cheiro do povo e da estrada, e com a sua reflexão, derramam óleo e vinho sobre as feridas dos homens. A teologia seja a expressão de uma Igreja que é “hospital de campanha”, que vive a sua missão de salvação e de cura no mundo! A misericórdia não é só uma atitude pastoral, mas é a própria substância do Evangelho de Jesus. Encorajo-vos a estudar de maneira a que, nas várias disciplinas – a dogmática, a moral, a espiritualidade, o direito e assim por diante –, se possa refletir a centralidade da misericórdia. Sem misericórdia, a nossa teologia, o nosso direito, a nossa pastoral, correm o risco de colapsar na mesquinhez burocrática ou na ideologia, que por natureza quer domesticar o mistério". A teologia, pela via da misericórdia, defende-se de domesticar o mistério.

Em segundo lugar, é necessária uma séria assunção da história no seio da teologia, como espaço aberto ao encontro com o Senhor. "A capacidade de entrever a presença de Cristo e o caminho da Igreja na história tornam-nos humildes, e removem-nos da tentação de nos refugiarmos no passado para evitar o presente. E esta foi a experiência de muitos estudiosos, que começaram, não digo ateus, mas algo agnósticos, e encontraram Cristo. Porque a história não se podia perceber sem esta força".

É necessária a liberdade teológica. Sem a possibilidade de experimentar estradas novas, não se cria nada de novo, e não se dá espaço à novidade do Espírito do Ressuscitado. "A quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspectos da riqueza inesgotável do Evangelho" (“Evangelii gaudium”, 40). Isto significa também uma revisão adequada da “ratio studiorum”. Sobre a liberdade de reflexão, farei uma distinção. Entre os estudiosos, é preciso avançar com liberdade; depois, em última instância, será o magistério a dizer alguma coisa, mas não se pode fazer uma teologia sem esta liberdade. Mas na pregação ao Povo de Deus, por favor, não ferir a fé do Povo de Deus com questões disputadas. As questões disputadas fiquem somente entre os teólogos. É a vossa tarefa. Mas ao Povo de Deus é preciso dar a substância que alimente a fé, e que não a relativize.

Por fim, é indispensável dotar-se de estruturas ligeiras e flexíveis, que manifestem a prioridade dada ao acolhimento e ao diálogo, ao trabalho inter e transdisciplinar e em rede. Os estatutos, a organização interna, o método de ensino, o ordenamento dos estudos deveriam refletir a fisionomia da Igreja “em saída”. Tudo deve ser orientado, nos horários e nos modos, para favorecer o mais possível a participação daqueles que desejam estudar teologia: além dos seminaristas e dos religiosos, também os leigos e as mulheres, sejam leigas ou religiosas. Em particular, o contributo que as mulheres estão a dar e podem dar à teologia é indispensável, e a sua participação seja por isso apoiada, como se faz nesta Faculdade, onde há boa participação de mulheres como docentes e como estudantes. (…)

Sonho Faculdades de Teologia onde se viva a convivialidade das diferenças, onde se pratique uma teologia do diálogo e do acolhimento; onde se experimente o modelo do poliedro do saber teológico, em vez de uma esfera estática e desencarnada. Onde a investigação teológica seja capaz de promover um comprometido mas cativante processo de inculturação.

Papa Francisco 
Pontifícia Faculdade de Teologia da Itália Meridional, Nápoles, 21.6.2019 
Fonte: Sala de Imprensa da Santa Sé 
Trad.: Rui Jorge Martins