A Igreja de Francisco e a das múmias

 

A reportagem é de Riccardo Cristiano, publicada por Ytali, 23-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

“Obrigado”, disse o papa, referindo-se, em particular, a um chamado feito pelo pregador, o de se abrir sem medo, sem rigidez, para sermos “macios” no Espírito e não mumificados nas nossas estruturas que nos fecham.

Capta-se aqui um ponto muito importante para o pontificado de Jorge Mario Bergoglio, uma Igreja não burocrática, não encastelada, mas uma Igreja em saída, hospital de campanha. Isto é, uma Igreja, como ele disse aos jesuítas com quem se encontrou em Mianmar, que esteja na encruzilhada da história, que fale uma língua comum e acessível a todos os povos do nosso tempo.

Igreja em saída significa exatamente, como disse o pregador, uma Igreja “que não se torne uma jaula para o Espírito Santo”. Aquele Espírito Santo que sopra por toda a parte, não só nas paróquias ou entre os católicos, porque Deus está em ação em todos os lugares, até mesmo entre as outras culturas.

Por isso, a Igreja de Francisco não pode se fechar em si mesma, não pode se afastar do grande projeto de se tornar um instrumento do Espírito Santo para construir a civilização da harmonia entre as civilizações, e certamente não a do choque de civilizações.

E aquela expressão muito forte usada pelo pregador, “mumificados nas nossas estruturas”, só podia tocar o Papa Francisco, pela clareza da linguagem, pela eficácia e pela acessibilidade da expressão.

Porque o risco que a Igreja em saída quer derrotar é justamente esse, a mumificação nos grilhões burocráticos, no recinto fechado dos escritórios, mantendo-a distante da vida concreta de seus contemporâneos. A Igreja de Francisco é companheira de vida, é próxima, nunca rígida, como a carne humana é somente após a morte.

Essa Igreja encontra nas múmias evocadas pelo pregador justamente o seu oposto, um corpo mais do que firme, imóvel, rígido! Rígido na carne e no pensamento, se poderia dizer, lembrando o antigo intransigentismo, que falava de exclusivismo e certamente não de inclusão.

Então, pode-se dizer que o pregador destes Exercícios Espirituais de 2018, Pe. José Tolentino Mendonça, criou uma metáfora preciosa para explicar o sentido desse pontificado e a teologia do diálogo, que inclui, e não exclui.

Além disso, também foi muito importante a frase com que o papa recordou o dia de oração pela paz, no qual também se falou de Síria, no centro de novas barbáries brutais, especialmente em Ghouta, aquela periferia de Damasco dilacerada por um interminável cerco, pior do que os medievais, que, desde 2013, impede que 400 mil pessoas recebam alimentos, medicamentos e outros gêneros de primeira necessidade, e que está desde o domingo passado debaixo das bombas dos caça-bombardeiros.

O mundo, as diplomacias parecem ter se esquecido mais uma vez da Síria, desta vez das crianças, das mulheres e dos idosos de Ghouta, reduzidos a esqueletos e agora submetidos a bombardeios ferozes. A Igreja em saída de Jorge Mario Bergogliolembrou-se dela, obviamente junto com todas as outras vítimas da Síria. Essa Igreja parece se perguntar se as diplomacias estão mumificadas, imóveis na sua incapacidade de ver o Sudão do Sul, o Congo, a Síria e as outras feridas dilacerantes que destroem, a cada dia, milhões de vidas.

Mas, para a Igreja em saída de Jorge Mario Bergoglio, fortalecida especialmente pela sua geopolítica da misericórdia, ninguém é desconhecido, ninguém pode ser esquecido. Como muitas vezes acontece com outras diplomacias.