Apelo à teologia contra os slogans: o caso da palavra "fraternidade"

O uso de uma palavra, útil não tanto para definir e circunstanciar, mas sobretudo para indicar um horizonte de reflexão, corre sempre um risco duplo; o primeiro é de que ela, na linguagem comum, no debate público e no emprego que dela se faz ao longo do tempo, se torne “gasta”, excessivamente inflacionada, até se tornar um lugar comum que a faz perder o seu significado originário e a densidade inicial. Deste modo, a palavra perde todo o seu poder e o seu sentido interno.

Pense-se, como exemplo, na simples palavra “amigo”, capaz de evocar relações fundantes e fundamentais da vida real, mas que, depois do Facebook, pode também significar aquele/aquela que me pediu ou concedeu a “amizade” nas redes sociais.

O segundo risco diz respeito à aproximação “crente” às palavras. Não é nem bom nem necessário criar uma espécie de separação entre uma visão laica da vida e outra gerada pela fé, mais não seja porque as fronteiras entre as duas, pelo menos na vida real, não estão tão claramente traçadas como muitas vezes pensamos idealmente; todavia, entre as duas existe uma natural diversidade, a integrar na dialética do confronto.

Também a aproximação crente às palavras arrisca-se a ser esvaziada do seu significado mais pleno, deslizando para a banalização, para a utilização imprópria e para o vocabulário do falar comum, aceite mais por conformismo do que por convicção.

Aqui, os exemplos poderiam multiplicar-se, inclusive por causa daquele defeito que por vezes parece contagiar o universo eclesial e a sua comunicação: as palavras tornam-se slogans repetidos durante certo tempo, até se tornarem “frases do momento”. Até que se intua, depois, que não compreendemos plenamente o conteúdo, que não há uma ideia que as sustenha e, sobretudo, que não elaborámos as suas consequências espirituais e pastorais. O slogan – em que muitas vezes caem, infelizmente, também as palavras da fé – tem um efeito imediato, mas está construído sobre o vazio.

A propósito, numa carta endereçada ao presidente da Comissão Pontifícia da América Latina, em 2016, o papa Francisco exortava a «olhar continuamente para o povo de Deus que nos salva de certos nominalismos declarativos (slogans), que são frases bonitas mas que não conseguem sustentar a vida das nossas comunidades». Depois selava a afirmação com um exemplo apropriado: «Por exemplo, recordo agora a famosa frase “esta é a hora dos leigos”, mas parece que o relógio parou».

Para o crente e para a comunidade cristã, este uso impróprio ou banal da palavra é arriscado. Na sua substância, significa deixar de atribuir às palavras o seu significado explicitamente teológico, que emerge não só na investigação académica e especialista, mas também quando o crente dá nome às coisas e à realidade indo além do significado imediato e literal das palavras que usa e escuta, e conferindo-lhes uma aceção simbólica, metafórica e espiritual, gerada pela visão da fé.

Uma operação deste género é a que faz Karl Rahner no seu belo texto “Coisas de cada dia”, em que evidencia o significado espiritual-teológico de palavras que, no dia a dia, indicam simplesmente as “coisas” e as ações da vida, como “comer”, “caminhar”, “sorrir”, e assim por diante.

Ora, há que temer que também a palavra “fraternidade” seja arrastada para o lugar asfixiante do “não pensamento”, e por isso seja esvaziada do seu significado teológico, reduzindo-se a uma simples procura de concórdia humana – o que, obviamente, já é muito –, e não, em vez disso, à aceitação plena e radical do amor de Deus Pai, que na sua universalidade inclusiva, me torna não só filho, mas também irmão de cada ser humano, fundando assim, desde dentro, a exigência e o dever dos laços fraternos. Não que o primeiro significado seja de desprezar ou rejeitar, pelo contrário; mas é o segundo que incluirá o primeiro, o iluminará e o elevará.

Quando as palavras, os gestos da oração, os símbolos da liturgia, as formas e as expressões do crer não são apoiadas por um rigoroso pensamento teológico que lhes individue e faça brilhar o seu significado a partir de Deus, arrisca-se a confusão e a banalização. É a teologia que pode garantir esse “outro”, ajudando o crente a ultrapassar a estreiteza dos significados literais e a tentação de ficar pela primeira impressão, convidando-o, assim, a descobrir o “Outro” e os traços do outro ocultos nas realidades das coisas e da vida.

Mais do que ser destinada a definir – arriscando tornar-se um pensamento fixo e imóvel –, a teologia é pensamento escatológico: procede por aproximações graduais e sucessivas, na consciência de que a verdade totalmente inteira só se manifesta escatologicamente, no termo do caminho. Até lá, a aquisição humana da verdade procede às apalpadelas ou, como escrevia Henri de Lubac, às cegas na escuridão.

Sem o exercício de um são pensamento teológico, a fé – com o conjunto das suas palavras e dos seus símbolos – arrisca-se a ficar confinada às emoções ou, ainda pior, de deslizar para a ideologia e para o fundamentalismo de uma ideologia fundamentalista. A tarefa é tanto mais urgente quanto é verdade, como afirmou o teólogo Giuseppe Lorizio, que se regista «uma cada vez mais espalhada irrelevância do saber da fé». O mesmo teólogo adverte para o perigo de que o humanismo criado pela fé em Cristo – que inclui o discurso sobre a fraternidade –, ficando privado de reflexão teológica, «se torne um slogan a exibir num momento particular do caminho eclesial e a arquivar rapidamente, sem uma verdadeira continuidade com os processos em ato e a ativação de autênticos percursos de fé e de evangelização».

Também a palavra “fraternidade”, por isso, precisa de ser pensada pela reflexão teológica, talvez sobre o fundo da própria incarnação do Filho de Deus, que, em virtude do ligame com a sua carne, nos estabeleceu irmãos e – como afirma o papa Francisco na “Evangelii gaudium” – «nos convidou para a revolução da ternura». Mas assumir este ponto de partida – não privado de consequências de tipo não só teorético, mas também pastoral – significa admitir que a fraternidade, em sentido teológico, não é uma indicação de género moral, mas um lugar “teo-lógico”: experiência do próprio Deus, traço característico do seu rosto, sinal distintivo de um Deus-Amor que em si mesmo é uma pluralidade de Pessoas distintas mas unidas na caridade, e, por isso, de um Deus que gera laços de comunhão e de fraternidade.

Pelo facto de Deus ser comunhão de pessoas e, portanto, é em si mesmo um Deus “extático”, que sai fora de si para ir ao encontro do ser humano no acontecimento Cristo, também o ser humano é constituído na dimensão relacional fundada sobre o amor. Que a fé cristã tenha de contemplar em si e abençoar o pluralismo, a diversidade e a diferença – do outro e do pensamento –, não é, por isso, um facto de política eclesial, mas um dado teológico, em nome do qual toda a nostalgia identitária e todo o fixismo doutrinal estão fora de lugar.

Pensar a pluralidade e a diferença, fundando biblicamente e teologicamente o tema da proximidade, do cuidado pelo outro e da compaixão, é uma tarefa que não é nova para a teologia, e, todavia, ela pode hoje receber um novo impulso e aprofundar a questão com inédita criatividade.

Francesco Cosentino 
In L'Osservatore Romano 
Trad.: Rui Jorge Martins 
Imagem: dolgachov/Bigstock.com 
Publicado em 28.02.2019