AS MARCAS DO ENCONTRO

Por OFMConv-Noticias  

O diálogo inter-religioso é o ponto principal nas conferências do Simpósio Franciscano que celebra o jubileu de 800 anos do encontro entre São Francisco de Assis e o sultão Al Malik Kamil, em Damieta, no Egito. O evento foi iniciado na segunda-feira (08) no auditório do Instituto São Boaventura (ISB), em Brasília, e aconteceu até a quarta-feira (10).

Durante a primeira apresentação, o Prof. Dr. Frei Elio Rojas (OFMConv.) falou sobre “Pelo Deus Altíssimo, no ardor da caridade” (cf. 1B 9). O frade argentino buscou tratar do diálogo como um dos alicerces para a espiritualidade franciscana. “O objetivo do Seráfico Pai São Francisco nunca foi converter o sultão ao cristianismo, mas sim compartilhar ideias em uma mística espiritual maior”, disse ele.

 DSC0015

 

Em seguida, foi a vez do Prof. Dr. Frei Sandro Roberto da Costa (OFM) apresentar a conferência “Entre a espada e a fé, um movimento de diálogo: o encontro entre Francisco e o Sultão numa leitura histórica e historiográfica”. Em sua abordagem, o frade da Província Franciscana Imaculada Conceição do Brasil, buscou analisar como os diversos autores, momentos e obras retrataram historicamente o encontro.

Dando um enfoque nos diferentes tratamentos sobre o encontro, Frei Sandro expôs como os momentos históricos influenciaram na compreensão da ação de São Francisco. “A visão que temos hoje deste diálogo inter-religioso foi ser percebida de forma mais clara somente no século XX. O Papa, por exemplo, tem seguido muito a obra daquele que ele decidiu nomear-se e, assim como São Francisco, tem visitado os países islâmicos”, explicou ele.

Na parte da tarde do primeiro dia, foi realizada uma mesa redonda composta pelos Freis Beneval Soares (OFMConv.) e Gilson Miguel Nunes (OFMConv.) e também os frades que haviam apresentado anteriormente, Frei Elio e Frei Sandro. Na ocasião, eles expuseram uma visão franciscana sobre o encontro. “Francisco é a perfeita minoridade. Ele abriu-se ao diálogo para com o próximo e, assim como o Pobrezinho, devemos também nos esvaziar de nossos julgamentos, preconceitos e vaidades”, afirmou o Frei Beneval.

Simposio 1

Este momento contou com uma participação maior do público, que fazia perguntas e fomentava o debate. “O ato de São Francisco é simbólico até os dias de hoje. Vivemos em uma época em que as pessoas estão cada vez mais fechadas e falta o contato entre elas. A linguagem que o homem e a mulher de hoje entendem é a gentileza, a ternura no contato. Este é o sinal deste tempo que, deve seguir o exemplo do Pobrezinho, que abriu-se ao próximo e ao diferente e deixou-se confraternizar com ele”, finalizou o Frei Gilson.

Logo no início da terça-feira (09) no auditório do Instituto São Boaventura (ISB), em Brasília, foi realizado um painel composto pelo Frei Luís Felipe Marques (OFMConv.), pela Dr.ª Mônica Udler e o Dr. Marcos Aurélio Fernandes. Na ocasião, a Dr.ª Mônica elaborou um panorama sobre “O Islamismo e a busca pelo conhecimento: O contributo da filosofia árabe para o pensamento e a mística”.

Simposio 12

Tratando do pensamento islâmico, ela destacou as principais características culturais islâmicas e o seu legado para a história, o que manteve o público instigado com os novos conhecimentos, atentos do início ao fim da conferência. Em seguida, o Dr. Marcos falou apresentou uma palestra com a temática “Entre o Tal e o Zulfiqar: Encontros e desencontros entre o pensamento franciscano e a filosofia árabe”.

No período da tarde, os frades e as pessoas interessadas na temática do simpósio, puderam participar de outro painel com a temática “O diálogo e suas problemáticas atuais: dificuldades para uma cultura do diálogo”. Desta vez, a mesa foi composta pelo Dr. Luís Síveres e a Doutoranda Paula Furtado Goulart, sendo coordenada pelo Frei Bruno Carvalho (OFMConv.).

Para falar sobre a influência e a compreensão do encontro ao longo da história, Paula utilizou-se da hermenêutica gadameriana. “Nesta perspectiva, trabalhamos em uma atualização de sentidos. A hermenêutica abre o diálogo para que possamos analisar o que este fato, que aconteceu há 800 anos, significa nos dias de hoje”, explicou ela. Desta maneira, a doutoranda abordou de que forma a filosofia segundo o olhar do alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002) pode nos auxiliar na compreensão desta comunicação entre religiões. “Essa abertura de colocar em xeque os nossos pressupostos, permite que possamos estabelecer um consenso analítico e, assim, manter e formentar um diálogo inter-religioso”, afirmou Paula.

Finalizando o segundo dia do Simpósio Franciscano, o Dr. Luís explicou as dificuldades em se implementar o diálogo de acordo com as características sociais (em seus mais diversos âmbitos) do mundo moderno. O doutor atribuiu alguns exemplos para explicar sua análise, como a polarização política vivida atualmente em nosso país. “(O diálogo) não igual e similar. Ele é complementar em diferenças. A agulha é diferente da linha, no entanto, as características de cada uma delas se complementam para realizar um feito maior”, argumentou ele. Ainda segundo o Dr. Luís, essa complementaridade pode ser tanto no conceito de reciprocidade, de um com o outro, mas também na linha de responsabilidade, em que um sujeito assume o compromisso com outrem.

Para compreender o próximo é preciso conhecê-lo. Aproximar-se para dialogar. Esta abertura ao novo e ao diferente foi o fio condutor do terceiro e último dia do Simpósio Franciscano que celebrou o jubileu de 800 anos do encontro entre São Francisco de Assis e o sultão Al Malik Kamil, em Damieta, no Egito.

Assim, para abordar esta temática, o painel da quarta-feira foi composto pelos muçulmanos Abdul Rashid, que é estudante de jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), e Amara Chandoul, Doutor em ciência Islâmica na Tunísia com pós-doutorado em Matemática pela UnB. Representando o franciscanismo, estavam o Dr. Cláudio Fonteles (OFS) e o Prof. Me. Frei Rafael Normando (OFMConv.).

 DSC0186

Para iniciar o debate, o Dr. Cláudio utilizou o documento de Abu Dhabi, assinado pelo Papa Francisco e o Grande Imam de Al-Azhar em fevereiro deste ano e que teve como tema “Irmandade Humana. Para a paz mundial e a convivência comum”. Em sua reflexão, o membro da Ordem Franciscana Secular explicou que é necessário abrir-se ao diferente para conhecer o próximo. “Quando se ama, você necessariamente tem que sair de si”, disse Fonteneles referindo-se ao documento.

Em seguida, Abdul comentou sobre a proximidade entre Cristianismo e o Islamismo, já que ambas derivam, até certo ponto, do Judaísmo, a religião monoteísta mais antiga do mundo. “Eu acho que esse diálogo sempre deveria ter existido. O problema está quando se mistura política e religião. Não somente conosco, mas esse diálogo deveria acontecer em todo o mundo para que não haja esse medo em conhecer o próximo”, disse ele. O tunisiano Amara Chandoul questionou os estereótipos e preconceitos que estão relacionados atualmente à islamofobia, um comportamento que tem sido reforçado pelos meios de comunicação ao noticiarem determinados fatos isolados e relacionados a grupos extremistas. Citando o alcorão, Amara explicou que em sua fé é dito que o Amor ao próximo deve ser praticado e não apenas falado.

“Como os mensageiros de Allāh, devemos colocar em prática o amor. Os profetas lembram-se desse amor para Deus e temos que fazer o mesmo, respeitando o próximo e não tendo como objetivo convertê-lo, mas sim de explicar o que é o Islã”, disse Amara.

O Frei Rafael concluiu a mesa de debates falando sobre a mística franciscana e como precisamos ir de encontro ao próximo para conhecer o diferente. Não apenas conversar, mas sim entrar em contato com o universo do outro para assim dialogar. “Não existe intolerância na espiritualidade franciscana”, disse ele.

Ao final, todos participaram de uma celebração inter-religiosa entre Cristianismo e Islamismo. Os elementos de ambas as religiões estiveram presentes. Os pós-noviços da Casa de Formação São Francisco de Assis, que organizaram o simpósio, realizaram a música durante a celebração e, em sua conclusão, entoaram a música “O Santo e o Sultão”, composta pelo Frei Luís Ventura (OFMConv.).